segunda-feira, 25 de maio de 2009

ZAMBÉZIA

FOTO DE JOAKIM

SILÊNCIOS QUE GRITAM(IV) - O DESTINO


Em certos momentos, os homens são donos dos seus próprios destinos(William Shakespeare)

Partir para outras miragens, perseguir outra estabilidade e imaginar um futuro diferente é uma atitude decalcada na história recente de outros povos.
Paradoxalmente,sente-se despojado da euforia da liberdade colectiva conquistada e das fronteiras identitárias implícitas.
Para trás, ficou a nostalgia, as paisagens e os rostos gravados no quotidiano da sua existência, e a frágil memória de uma pátria recém-liberta e um terrritório afectivo e cultural difuso.
O conflito que tantas vidas ceifou, eterniza-se no sofrimento de centenas de milhares de compatriotas num cenário dantesco que no decurso de uma década se tentou ocultar
Esta guerra fratricida foi o pretexto para mais uma hemorragia no corpo de um país enfermo e acossado. Lá longe, os holofotes da paz e da abundância, seduziam os instintos para territórios culturais pouco conhecidos!
Este simulacro de paz, rodeado de muros de exclusão, ocultam uma hostilidade permanente e uma coexistência mal conseguida: velhos preconceitos transportados para uma nova geografia!
O novo palco societário exigirá do imigrante um novo reposicionamento e a clara percepção das relações de poder e de identidade amalgamadas no território de destino
Uma abertura ingénua ao outro pode traduzir a desagregação do eu, provocando uma crise identitária. A recuperação dum certo conceito de assimilado, enquanto aliado da ideologia colonial, pode resultar num ser cultural híbrido.
A resistência cultural, ainda que ancorada na construção duma nova identidade sem ruptura, é a linha divisória, a fronteira que sobrevive ao domínio do outro.
Urge derrubrar as muralhas da intolerância que se alojou nas entranhas, duma certa memória reinventada, e acumular energias para se resguardar dos problemas que aí vêm e reivindicar uma coexistência mais ou menos pacífica.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

SILÊNCIOS QUE GRITAM (III) - RUMO AO DESCONHECIDO


Antes ainda de desaparecerem da paisagem, os caminhos desapareceram da alma humana: o homem já não sente o desejo de caminhar e de extrair disso um prazer. (Milan Kundera)

Rumar ao desconhecido, abandonar lugares e afectos profundos, arquivar o imaginário na penumbra das boas recordações, é um verdadeiro salto no escuro, sem rede e sem retorno.
Acusar, quem o faz, de bater em debandada, não é seguramente o melhor caminho.
É ficar nos bicos dos pés à espreita do pretexto de cavalgar à custa de dramas de terceiros. É o clássico arremesso de pedras, é o diabolizar ausências, obedecendo à lógica incapacitadora de dissecar as circunstâncias que rodearam e determinaram a partida. Cada homem é uma história e esta não pode ser, manhosamente avaliada. A colagem de rótulos processa-se anarquicamente. É o arrivismo no posto de comando. Perde-se de vista a construção de sonhos e expectativas. Privilegia-se o assalto à visibilidade e aos centros decisores. As florestas da hipocrisia atiçam a intolerância e a compreensão do outro.
Impreparado para digerir a nova realidade, cercado pelo fundamentalismos, relegado para o submundo da escassez e da fome, acossado no interior do seu próprio quintal, a decisão de partir constitui a última oportunidade para se libertar da espiral de miséria e reencontrar a esperança, ao virar da esquina.
Confrontado com o enigma, inicia a fuga, para a frente, na expectativa de fazer uma escolha entre duas espécies de desconforto, optando por uma terapia menos dolorosa
Rasgar muros e medos, forrados de cinismo escavados na banalização da indiferença, é o próximo desafio a vencer. Atropelar a memória, driblar o preconceito e a opacidade do outro, são jogadas de laboratório a ensaiar
Homens e mulheres, enclausurados em guetos de sociedades eticamente anestesiadas, reciclados nas fronteiras da indiferença, são submetidos à tortura dum clima social instável e agreste.
Aqui, a coluna vertebral regressa, por vezes, às origens identitárias e aceita o desafio.
A impressão digital dos afectos e das cumplicidades deixa um travo de nostalgia, e recorda que o combate mal começou

quarta-feira, 13 de maio de 2009

SILÊNCIOS QUE GRITAM (II) - AS ORIGENS

As árvores têm de se resignar, precisam das suas raízes; os homens não. Não gosto da palavra “raízes” e da imagem ainda menos. As raízes enfiam-se na terra, contorcem-se na lama, crescem nas trevas; mantêm a árvore cativa desde o seu nascimento e alimentam-na graças a uma chantagem: “Se te libertas, morres!”
(Amin Maalouf)

O corte do cordão umbilical foi, em muitos casos, uma intervenção adiada e/ou assistida. Gerações de urbanizados experimentaram o desconforto da coexistência com a mudança de paradigma! Os mais domesticados, renunciavam às origens e afundavam nos seus delírios, refugiando-se em velhas crenças difundidas pelo engenho triturador de sonhos.
No terreno, esboçava-se o projecto de uma vida nova! Enclausurados em guetos de sociedades divididas, o fogo cruzado das ideologias dominantes provocava danos e adiava as decisões. Interesses irreconciliáveis disputavam cada palmo de terra.
Esta ideologia libertadora, ameaça a capitalização de privilégios. Em nome da caça às bruxas, forjam-se pretextos para prolongar as hostilidades! O velho inimigo, sorri
A amnésia histórica instala-se. A diabolização da luta emancipadora dociliza e domestica os mais vulneráveis. Rasgam-se as entranhas do sonho. O pesadelo arrasta-se e secundariza-se a dignidade.
A sobrevivência da utopia está ameaçada, dificilmente resistirá! A morte foi, entretanto, anunciada.
Homens e mulheres, crianças e velhos disputam, no quotidiano, um punhado de alimento. Cobras e humanos, pernoitam em árvores.
Num cenário de destruição, de insegurança, de armadilhas e de indignidades, a degenerescência galopa e os ódios substituem-se à solidariedade e à partilha tão peculiar das gentes da Pérola do Índico.
Nos alicerces dum projecto de contornos bem definidos, ainda que questionado por alguns (muitos?) a nova arquitectura politica terá de dispor de imaginação, capacidade e empenho para conquistar as principais vítimas deste estúpido pesadelo, com rastos de violência aviltantes.
Neste período, muitos moçambicanos, muitos quadros, abandonaram o seu País. Órfãos, coagidos à aventura, engrossaram o caudal dos trabalhadores à mercê da exploração desenfreada dos mesmos, de sempre. Alguns, nem por isso!
Uns e outros ficaram mais pobres: o país e os cidadãos.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

O FUTURO


É preciso dar notícia
informar, mobilizar
que a resistência
à mudança
aprisiona a liberdade
convoca e legitima
a arbitrariedade

É preciso impedir
o regresso ao passado
o ressurgir dos medos
a violência gratuita
o sofrimento, a infâmia
o excesso de autoridade
o reino da impunidade

é preciso dar noticia
mobilizar, resistir
reproduzir a esperança
viabilizar a utopia
recuperar a dignidade
isolar e punir
os carrascos da liberdade

não podemos capitular
temos que acreditar e lutar
jamais mastigaremos silêncios
cumplicidades e medos
nada nos pode acorrentar
saberemos sorrir
lutar e avançar

é urgente extirpar
degenerescências
metástases e bloqueios
falsos profetas
plagiadores de sonhos
usurpadores
sem soçobrar

é preciso, pois
dar noticia, mobilizar
projectar e construir
o futuro sem armadilhas
nem ambiguidade
sem perder de vista
a humanidade

é preciso dar noticia
informar, divulgar
as ausências, os silêncios
o que sofremos
o pão suado
dizer não
ao regresso ao passado

IMAGEM E TEXTO RETIRADOS DE POESIA DE AGRY

quarta-feira, 6 de maio de 2009

SORRISOS DE ESPERANÇA

SILÊNCIOS QUE GRITAM (I) - SONHOS NO EXÍLIO


O exílio é um daqueles silêncios que gritam, apesar das ambiguidades, dos pensamentos ausentes, das lágrimas vestidas de raiva, e da impotência acomodada. As ausências e os silêncios preenchem o quotidiano do exilado/emigrante em territórios polvilhados de nostalgia e de recusa e ostracismo explícitos.
Politicamente refractários, perseguidos ou indiferentes, percorrem as ruas da sobrevivência, em nome duma amnésia histórica adquirida. As tragédias pessoais dilatam-se ou contraem-se como vasos dum corpo social imunodeficiente.
A reprodução e o regresso ao passado desperta-os desta letargia mal diagnosticada.
A crise identitária, de uns, é compensada pelo pragmatismo doutros.
Pedreiros, estudantes, mulheres a dias, funcionários públicos, freiras e prostitutas, políticos de todos os quadrantes, quadros superiores, músicos, desportistas representam esta multidão difusa, heterogénea e desconfortável numa temperatura social mais fria, mais distante, menos solidária, diferente!
Outro continente, outras gentes, e uma coexistência difícil. A geografia e a unidimensionalidade cultural repercute-se em todos os domínios da existência separadora, inevitavelmente!
Do local de trabalho ao bairro, passando pelos transportes públicos, os pesadelos do passado, ressurgem como num filme a preto e branco: “ Minha raça sou eu mesmo. A pessoa é uma humanidade individual. Cada homem é uma raça, senhor policia”(Mia Couto)
Milhares que vivem em situação de vulnerabilidade e incertezas, são invadidos pelo desalento, pela frustração e pelo desencanto e pelos medos que capturam a esperança! Como eram enormes as expectativas geradas!
Revisitar as origens, familiares e amigos, cheiros, sabores e tantos lugares e afectos, percorrem, e preenchem, os sonhos do exilado:
Maputo e Mafalala;Quelimane e Namacurra; Beira e Manga; caril de amendoim, e mucuane, sura , caju e aguardente; mangas e papaias; Pemba e Paquitequete , Inhambane , Chidinguele; caranguejo e camarão; Ibo e café, galinha à zambeziana, xigubo, msaho mapiko, Malangatana, Craveirinha, Mia Couto Fanny Pfumo, Paulina Chiziane,mafurra, praias, pescadores mineiros e o coração grande e generoso dos compatriotas, moçambicanos.